Tuesday, December 05, 2006

Bernie
O que falar de Bernie? Primeiro que eu cheguei atrasado e perdi as cenas iniciais. Uma lástima isso ocorrer, mas foi a primeira vez que eu ia àquela sala de cinema e tive problemas para decidir-me onde estacionar. Perdoável.
Bernie foi o filme que salvou a semana que começou com café da manhã em plutão. Fugindo do clichê, a trilogia dessa semana seguiu uma trajetória ascendente de qualidade e não o contrário. Bernie é um rapaz que morou no orfanato até cerca de 30 anos e vivia economizando dinheiro para encontrar os pais. O filme "começa" com Bernie saindo do orfanato e descobrindo a vida, já de cara quase sendo atropelado por um ônibus (ta bom talvez isso tenha sido algo próximo daqueles personagens estereótipos com caracterização bem exagerada de parte do cinema americano, mas em Bernie isso soa como prenúncio do que virá e acho sinceramente que os personagens são muito mais respeitados que nos filmes americanos. Ademais, trata-se de uma comedia e o exagero, ou melhor o tragi-cômico é uma das formas de se explorar a comédia). Vai sendo "enrolado" por uns (a agente de imóveis), equivocadamente entendido por quase todos (como pelo vendedor da câmara de vídeo) e cada vez mais distanciado do exterior, ou melhor, dirigindo cada vez mais a forma de ver o mundo a partir de um ponto de vista próprio, sem muita abertura para um eventual feed back (ou "senso crítico" talvez ?) que lhe confirme ou não aquilo que crê. Válido aqui citar o filme sexto sentido, na fala do menino que diz que os espíritos vêem aquilo que querem ver. Pois é, não só os espíritos. Aparentemente a solidão de Bernie o leva a fechar-se cada vez mais em suas hipóteses e especulações. Encontra o pai que parece querer aproveitar-se da situação para rever, e talvez vingar-se (isso não ficou muito claro para mim, tal sentimento de vingança) da mãe de Bernie e por isso não desmente a teoria de Bernie. A Personagem da "namorada" de Bernie, nos brinda com cenas com forte teor irônico, seja com humor negro (como a do atropelo do pai da "namorada") ou a cena em que ela comenta a descrição que Bernie oferece dos "policiais" que rondam o gerador elétrico no qual eles se abrigavam.
Dito isso, importante alertar que o filme contem cenas fortes de violência "gratuita". Uma das coisas mais sensacionais do filme é conseguir imprimir uma áurea doce, suave, inocente, nas cenas de violência, sem que elas percam porém todo o seu horror. Grotescas e doces ao mesmo tempo isso foi a primeira coisa do filme que ficou marcado em mim, assim que saí da sala. Talvez os moralistas não consigam ver nada de doce nem de inocente nos atos de "violência gratuita" que o filme apresenta. De fato poucas foram as pessoas que em "Hable com Ellla" viram no "estupro" um símbolo de romantismo e de entrega, a partir do qual a vida dele se desgraça e ela consegue sair do coma. A maioria das pessoas com quem conversei se referia à cena com um certo horror. Em tempos de debates de alteridade talvez valesse a pena tentarmos nos colocar mais no lugar dos personagens "abjetos e marginalizados" despidos porém de nossa já criada couraça moral (influência reichiana na expressão? hehe...), sem que isso signifique a aceitação moral do praticado, ao final. Ou seja, não quero discutir se a ação de Bernie ou do personagem de Hable com Ella deve ou não ser moralmente reprimível pela sociedade. Só peço que tentemos olhar sua condutas não com o nosso olhar de incluídos na moral social, mas sim despidos de qualquer busca de julgamentos. Feito essa aproximação, aí sim, voltemos, e já percebida a identidade e semelhança que nos une a todos, façamos nosso julgamento daqueles que são, antes de tudo nossos irmãos (quero dizer seres humanos como nós). O relativismo e o discurso de respeito à alteridade não pregam necessariamente uma passividade, nem afronta a necessidade de regras de regulação social, apenas nos ajuda a perceber que tais regras são construídas historicamente e não contém uma qualidade de "verdade unívoca" (essa expressão verdade unívoca é realmente cômica..).
Enfim, pena que só passará em duas sessões aqui em Salvador e ainda bem que pude estar em uma delas, qual seja, a primeira, em 26/10/06 na Sala de Arte da Aliança Francesa.
Nilo Santana
27/10/06

0 Comments:

Post a Comment

<< Home