CONTO CAFÉ X CHÁ PARTE 1
CONTO CAFÉ X CHÁ PARTE 1
- Temos
mais um humano chegando, você foi designado para levar as bençãos
de Kaldi, mostrar-lhe um pouco de nosso mundo e conduzi-lo novamente
até a saída.
- Mas
senhor, logo eu? Eu nunca guiei um forasteiro, não posso ir como
designado na primeira vez. Por favor designe alguém e mande-me
acompanhando para que eu observe e aprenda.
- Sinto
muito Tommy, eu fiz essa indagação quando recebi sua designação e
disseram que não havia nenhum erro, que estavam cientes que era sua
primeira vez, mas que assim tinha sido decidido, assim deveria ser
executado. Mas veja pelo lado bom, é apenas um humano... nada muito
complicado... Você vai lá diz que o Grande Kaldi o abeançoa,
mostra um pouco de nossas terras, se ele se comportar bem permite que
experimente um pouco de nossas bebidas e devolve um ser humano mais
feliz para casa. Deve ser algum árabe que tomou um porre de café
com alguma erva alucínogena, ou algum devoto do Deus Kaldi. Eu soube
que já estamos tendo algum sucesso na Terra, já temos alguns
adoradores do Deus do Café, embora cultos ainda não tenham se
formado. É importante que inspiremos as almas daqueles que são
atraídos até nós.
…........................
Alguns
minutos depois, Tommy se aproxima do local em que o humano deveria
chegar e, cerca de dez minutos depois daqueles “alguns minutos
depois iniciais”, Tommy começa a se impacientar com a não chegada
do convidado terráqueo. Decide tirar um aparelhinho do bolso que
poderia lhe dar algumas informações, ou o permitiria se comunicar
com seus superiores, mas isso apenas em último caso, e para seu
espanto percebe que o terráqueo já estava ali....
Não se
permitindo entrar em desespero, ou ao menos fingindo que não se
permitia entrar em desespero, Tommy começa a olhar ao seu redor a
procura do forasteiro. Quando se lembra de pegar o binoculo que
guardava dentro do outro bolso ele finalmente consegue avistar o
humanoide, mas branco do que ouvira falar sobre os humanos, algumas
dezenas de metros a sua frente, atrás de algumas arvores, no meio
de uma plantação de café citrico do tipo 237A e então,
finalmente, se acalma.
Calmamente,
porém não lentamente, Tommy se aproxima do humanoide sem que esse o
perceba e ao chegar bem próximo faz sua apresentação em grande
estilo, na esperança de causar impacto, ou melhor de assustar o
terráqueo que parecia distraído colhendo folhas da plantação:
- Bom dia
terráqueo, o Grande Deus Kaldi, o Deus do Café, o Deus do Sabor, o
Deus dos Deuses, lhe envia saudações, bençãos e desejos de uma
boa e breve estadia em nosso paraíso.
O
humanoide então se vira e responde, quando Tommy se dá conta do que
havia percebido antes porém sem de fato perceber que percebera... o
humanoide recolhia as folhas, e não os grãos, aquilo era muito
estranho. Tommy sentiu medo... mas nada perto do que sentiu quando o
humanoide começou a falar:
- Bom dia
sr.. me desculpe não sei o seu nome... aliás nem sei bem o que o sr
é, nem se é sr ou sra, perdoe minha indiscrição mas é que nunca
estive fora da Terra antes em minha vida, nem em sonhos, não sei ao
certo como me portar... Mas sua plantação tem um cheiro
maravilhoso, sou obrigado a admitir. Seria possível que eu levasse
algumas dessas folhas comigo ao acordar? Se o seu Deus me permitir é
claro, qual era mesmo o nome dele???
A
pergunta direcionada a Tommy, sobre qual era mesmo o nome de seu Deus
o deu força suficiente para conseguir fechar a boca que se mantivera
aberta desde o momento em que o humanoide começara a falar. Após
responder à pergunta, repetindo mais uma vez o nome da divindade,
Tommy finalmente verbaliza suas verdadeiras inquietações...:
- Não é
possível. Esse sotaque. Você é.. não acredito, recolhendo as
folhas, esse sotaque...
- Não,
não, acho que você deve estar me confundindo com meu irmão, eu sou
Warren Lewis, Warren Staples
Lewis, você deve ter conhecido o Clive, ou Jack, como ele gosta que
o chamemos.
- Não é
possível, você é.. você é.. você é inglês?
- Sinto
um certo tom desrespeitoso na pergunta, especialmente para alguém
que nem se apresentou ainda, mesmo após indagado acerca de sua
identidade. Mas não tenho vergonha nenhum em dizer, sou britânico
porém irlandês, nossa mitologia é muito, muito mais rica que a dos
idiotas ingleses.
- Não é
possível, mas o que um britânico está fazendo aqui? E por que você
está recolhendo essas folhas, não me diga que pensa em fazer....
não, não me diga o que pensa em fazer com elas, por favor...
- Ora,
mas essas folhas são magnificas, não se preocupe, apesar de suas
ofensas não tenho o que esconder, aposto que essas folhas dariam um
chá delicioso, se seu Deus me permitir levá-las comigo é claro.
Nunca acreditei nessa conversa fiada de meu irmão sobre univeros
paralelos mundos e leões coisa e tal, mas agora vejo que era tudo
verdade. É tudo tão real. É tudo real demais. E esse cheiro. Que
cheiro meu Deus! Maravilhoso. Essas folhas deveriam ser
reverenciadas.
- Não
são as folhas.
- Perdão?
- O
cheiro. Não são as folhas. O cheiro não vem das folhas. Vem dos
grãos. São grãos de café. O senhor está no reino do grande Deus
do café. Não me diga que nunca viu um grão de café na vida?
- Olha
devo confessar que embora já tenha, sem dúvida alguma, ouvido falar
dessa iguaria, não me recordo de tê-la experimentado. Sou um pouco
conservador entende? Deixo meu lado irresponsável e explorador
restrito ao campo dos chás. Nesse me aventuro loucamente. Agora
mesmo, minutos atrás, estava em Londres com meu irmão e um amigo
dele, experimentando um chá de rosas vermelhas com um pouco de
cogumelos da Tasmania. Eu pessoalmente não faço ideia de onde fique
a Tasmania, nem se seus cogumelos são apetitosos, mas o chá, que
chá meu Deus, sensacional, fantástico.... alguns minutos depois
estava aqui. Esperei um pouco pelos outros dois,, mas acho que foram
mandados para outro lugar. Quando percebi que estava aqui sozinho
resolvi explorar um pouco e então, o cheiro de suas plantações..
foi impossível resistir... mas então vem tudo dos grãos? As folhas
estão simplesmente impregnadas, mas o grande herói é mesmo o grão?
Se você não tivesse dito antes... me ouvir dizer isso ainda soa um
pouco como loucura aos meus ouvidos.
- droga,
guardas se aproximando, escute sr warren, eu não conheço seu irmão,
e sim pode me chamar de sr e não de senhora, logo logo eu explico ao
senhor a razão disso, mas por favor não diga mais esse nome que o
sr usa para essa bebida feita com cogumelos e rosas...
- chá?
Que mal poderia haver nisso?
- a sua
prisão. E se você for preso estando sob minha supervisão eu serei
morto, o que não seria nada, nada bom para minha saúde.
- hum...
a perspicácia de sua constatação sobre os efeitos que a morte
possa ter sobre sua saúde me convenceram, farei este acordo desde
que você me diga seu nome. Não gosto de ficar sempre fazendo um ar
interrogativo após dizer “sr”. É cansativo, depois de um tempo
chega a irritar.
- que
seja. Eu me chamo Tommy, mas pode me chamar de tommy, tony, juvenal,
cassandra ou o do que quiser, só não repita aquela palavra.
Especialmente na frente dos guardas.
-
combinado sr. Do que quiser. Acho que estou começando a gostar do
sr. E já esqueci aquele ar ofensivo me indagando sobre minha origem.
Apreciei muito o seu senso de humor.
Nesse
momento os guardas se aproximam e um deles inicia um dialógo com
Tommy:
- Ei
Tommy, quem é este ao seu lado? Captamos forte variações de
energia por aqui. Notaram alguma coisa estranha?
- nada
estranho capitão lidell. Esse é o senhor warren, nosso mais recente
convidado.
- em
verdade eu notei algo de estranho sim – diz warren deixando tommy
surpreso e apreensivo, para não usar uma expressa talvez
excessivamente forte para o leitor- Esse cheiro! São os grãos. Esse
cheiro é maravilhoso! Nunca cheirei algo tão bom em minha curta
vida. E note capitão lidell que nessa vida eu já cheirei muita
coisa. Sem dúvida alguma, posso com certeza afirmar que já cheirei
muita coisa nessa vida.
Apesar do
sorriso inicial do capitão lidell, em razão dos rasgados elogios
aos grãos de seu planeta – não que ele fosse o proprietário do
planeta mas residia nele, por isso o uso do termo “seu”- a
curiosidade e o pequeno desconforto o fizeram verbalizar seu
estranhamento:
-
agradeço os elogios senhor warren. Mas essa voz, esse sotaque.. de
onde o senhor é, senhor warren ?
Antes que
o Warren dissesse algo que pudesse prejudicá-los, Tommy decide
intervir:
- ele é
terráqueo. O senhor warren é terráqueo. Mas temos que ir agora, já
estamos atrasados cap lidell, e não queremos atrapalhar suas
investigações, espero que descubram o que aconteceu. Até breve
capitão, soldados...
- até
breve senhores, foi um prazer capitão, foi um prazer soldados, quem
sabe em outra oportunidade me seja novamente permitido experimentar
esse maravilhoso cheiro e encontra-los mais uma vez.
Capitão
lidell ficou ainda pensativo por alguns segundos, enquanto tommy e
warren andavam em direção à cidade, tentando revirar em sua
memória algo semelhante àquele sotaque. Sem sucesso porém, acaba
por retornar à sua missão - sem dúvida mais importante do que
catalogar sotaques- descobrir o que causara as variação de energia.
Após
estarem a uma razoável distância, podendo você caro leitar
imaginar livremente o que queira entender por razoável distância,
Warren Lewis volta a indagar Tommy, tentando entender melhor a
situação em que se encontra:
- Então
sr. Do Que Quiser, voltando a nossa conversa, porque mesmo eu não
posso falar aquela palavra? O que intriga a todos em meu modo de
falar? E o que você irá me mostrar de seu mundo antes de levar-me
ao caminho de volta a Londres?
- Tudo
bem. Você agiu de modo inteligente agora a pouco, e creio que quase
tanto quanto eu não quero ser morto, você não quer ser preso.
Estamos nas terras, no Reino, do Deus do Café, a melhor iguaria de
todos os tempos, em todos os universos possíveis e impossíveis...
- pode
pular logo para a parte do “em todo caso”, “entrentanto” ou
coisa do tipo...
-
Todavia, essa bebida que o sr e muitos de seus compatriotas apreciam,
se orgulhando dela como se fosse um costume típico inglês, e não
uma apropriação de um item chinês trazido por uma princesa
portuguesa1,
ainda que não possa de modo algum realmente competir com o café,
digamos que causa, causa um certo desconforto por aqui. Embora a
adoração a essa bebida que os ingleses acreditam amar seja minima
comparada à adoração feita ao café não apenas no planeta Terra
como em diversos outros, ainda assim digamos que exista uma certa
rivalidade entre os seus respectivos Deuses...
- Você
está me dizendo... perdão, o Sr. está me dizendo que existe também
um Deus do, ops, digo que existe também um Deus dessa bebida adorada
pelos ingleses?
- Sua
inteligência mais uma vez me impressiona sr. Lewis. De fato exagerei
um pouco ao usar o termo Deus. Talvez poderíamos dizer que seria um
Deus Menor, embora de fato acredito que nem a isso chegue.... Digamos
que é uma entidade com alguns atributos divinos que talvez um dia se
torne um Deus Menor. Nada com o que devessemos nos preocupar.
- mas se
não deveriam se preocupar porque esse alvoroço todo com meu sotaque
e com a simples menção do nome da bebida?
- já
dizia um famoso escritor terráqueo, há muito mais coisas entre o
céu e o chão do que há de sonhar sua vã filosofia meu caro
Warren. Nesse caso não há nenhuma lógica nisso. Há apenas
rivalidade. Nenhuma real ameaça. Ao menos assim nos é ensinado.
-
entendo. E sempre que um britânico vem aqui acaba causando alvoroço
pela nossa preferencia... esquisita .. para bebidas quentes ? Por
isso que meu sotaque chamou tanta atenção?
- não,
não, nada disso sr. Warren. O sr não poderia estar mais enganado.
Nunca em minha vida ouvi nenhuma menção a um britânico ser trazido
a nosso mundo. Por isso não faço ideia de quem seja seu irmão
Jack. S. Lewis, ou Clive S. Lewis, que você imaginou que eu já
teria conhecido. Ainda não consigo aceitar que não estou sonhando e
que realmente um britânico adorador do demonio … digo... adorador
de um semideus, foi trazido para nosso mundo. Se eu realmente
estiver acordado o que está acontecendo agora é uma coisa sem
precedentes sr Lewis. E coisa sem precedentes tendem a ser muito
perigosas em sociedades já bem estratificadas e conservadoras como a
nossa.
-
entendo, entendo. Mas antes que me mostre um pouco do seu mundo e me
ofereça, é claro, uma degustação grátis desse maravilhoso café,
afinal salvei sua vida a alguns minutos atrás não me deixando ir
preso, gostaria que me esclarecesse uma última coisa.
- pois
não. Pode perguntar, desde que não diga você-sabe-o-quê...
- o meu
sotaque. Você me disse que não há registro de nenhum outro
britânico, adorador da bebida sem graça vinda da china, chegando a
seu mundo. Como então indentificou meu sotaque.... como meu sotaque
deixa a todos desconfortável já que, se nunca ninguém por aqui
conheceu um inglês não deveriam conhecer nosso sotaque? Aliás como
nos comunicamos, como entendo perfeitamente o que você fala e
vice-versa? Só agora me dei conta que você não está falando
inglês, mas é como se estivesse. Não sei explicar.
- Sr.
Warren, muito simples, o campo magnético de nosso mundo é
programado para fazer essa tradução automática entre a maioria das
línguas existentes e mesmo parte considerável das não existentes,
bem como uma pequena parcela das nunca sequer imaginadas. Embora você
ouça o som que eu emito, na língua de Kaldi o Grande, a informação
chega em seu cerébro já traduzida e estruturada na forma de sua
língua materna.
-entendo.
E o meu sotaque? Como ele chamou sua atenção já que você nunca
esteve com um inglês?
- Isso é
ainda mais simple sr. Warren. Toda boa história, toda história
realmente boa, daquelas que valem a pena a ler, precisam de furos.
Elas precisam de furos para respirar. Porque as histórias realmente
boas precisam respirar. Esse é um dos furos dessa história sr
warren. É estranho que o senhor não tenha percebido isso, vindo de
uma ilha que apesar do péssimo gosto para bebidas gerou ótimos
escritores. Os melhores talvez. Digo os melhores da Terra claro, não
que isso seja grande coisa, mas para o senhor como terráqueo que é,
imagino que já seja algo digno de orgulho.
-Entendo.
Quero dizer, entender efetivamente não entendo, mas já estou
satisfeito com a explicação dada. Acho que poderia me oferecer
então um pouco de café e levar-me de volta a meu mundo, antes que
eu seja preso e o sr. morto. O que acha?
-
Explêndida ideia. Vamos começar por uma das melhores casas de café
do reino, a casa do chapeleiro são, você vai gostar dele bem
metódico, organizado, tem uma mesa espécifica para degustação de
cada variante de café.
É muito
interessante para conhecer pessoas e fazer amizades rápidas, você
pode sentar-se em qualquer das mesas ocupadas ou desocupadas e
ninguém irá considerar isso rude. Ao contrário, sorrirão para
você e o indagarão sobre o que achou daquela variedade de café, se
sempre escolhe aquela mesa ou é a primeira vez que a experimenta.
Enfim, típicos assuntos banais, perfeitos para se iniciar uma
conversa sem maiores propósitos e igualmente perfeitos para iniciar
uma conversa com propósitos ocultos que não devem ser verbalizados,
ou ao menos não verbalizados logo de inicío.
1Muitos
acreditam que o chá foi introduzido na corte inglesa pela princesa
Catarina de Bragança, que levou à Inglaterra um baú cheio de chá
chinês quando de seu casamento com o rei carlos II.