Tuesday, January 22, 2008

Considerações sobre o conto “separação judicial, sexo, vida em comum e culpa”

O conto referido foi escrito a partir de certo incômodo pessoal gerado da afirmação de um professor em curso preparatório para concursos públicos, de que a relação sexual seria causa interruptiva do prazo de separação de fato necessário para o divórcio direto, na opnião da jurisprudência. Me pareceu, pela forma como ele falou, que afastaria também a possibilidade de aplicação do § 1º do art. 1572, que exige para a separação litigiosa sem culpa a prova de ruptura da vida em comum a mais de um ano, e a impossibilidade de sua reconstituição. Me incomodou a idéia de que relações sexuais casuais pudessem ser entendidas como continuação de uma vida em comum. O personagem de João foi construído de maneira um tanto ideal, dissociado de tipos geralmente associados à maioria da população ou ao que seja o homem médio. Buscou-se um personagem que pareça extremamente irreal em sua conduta, usando do exagero em sua construção. Excessivamente metódico quanto a seus princípios de conduta, dotado de ética bem definida e arraigada, contrapondo-se sua construção de forma quase inocente a um senso comum de imoralidade ao julgar a conduta por ele adotada. Inocente também parece o personagem no momento final quando mostrasse pela primeira vez fortemente surpreso e decepcionado com o mundo a sua volta que lhe é revelado na decisão judicial, levando-o a buscar um novo direcionamento em sua vida que acaba levando-o a uma nova profissão.
Importa aqui aduzir que o texto começou a ser escrito antes de uma pesquisa que confirmasse ou rejeitasse o quanto afirmado pelo professor. No final dele, foi consultado o site do STJ onde encontrei a decisão que segue abaixo, que parece distanciar-se da posição atacada no conto. Todavia o adiantar da hora e o cansaço me impedem de aprofundar a pesquisa, o que ficará para outra hora com posterior modificação das presentes considerações, ou não ocorrerá permanecendo a intenção do texto parcialmente fragilizada por não se saber ao certo contra o quê se insurge, se contra uma posição efetivamente majoritária dos tribunais ou se contra um caso fático isolado, relatado por professor em sala de aula.
Por fim, a posição de João, de não querer pensar sobre quem teria sido o culpado pelo o fim do amor, ecoa indiretamente a posição doutrinária dos que criticam a discussão da culpa em sede de processo de separação, salientando-se que parte minoritária da doutrina atual advoga inclusive não mais persistir em nosso ordenamento jurídico a figura da separação judicial (Professor Fachin).


Processo
Ag 778690
Relator(a)
Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
Data da Publicação
DJ 24.11.2006
Decisão
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 778.690 - RS (2006/0119291-8)
RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
AGRAVANTE : R K A
ADVOGADO : NOELI GONÇALVES LOPES E OUTRO
AGRAVADO : L A A
ADVOGADO : MICHELLE AZEVEDO MAGADAN
DECISÃO
Vistos.
R. K. A. interpõe agravo de instrumento contra o despacho que não
admitiu recurso especial assentado em ofensa aos artigos 1º e 7º da
Lei nº 9.278/96, além de dissídio jurisprudencial.
Insurge-se, no apelo extremo, contra acórdão assim ementado:
"UNIÃO ESTÁVEL. PEDIDO DE ALIMENTOS.
Se, depois da separação judicial, o casal não retomou as
convivências conjugais, cada um morando na própria casa, de forma
independente e sem restabelecer vida afetiva, podendo ter havido, no
máximo, algum relacionamento sexual clandestino, inexiste união
estável.
Descabe concessão de alimentos quando inexiste título estabelecendo
relação obrigacional, já que não houve união estável e a mulher foi
condenada por adultério, perdendo por sentença judicial transitada
em julgado, o direito a alimentos.
EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA" (fl. 17).
Decido.
Assevera a recorrente que deve ser concedida pensão alimentícia na
quantia de 30% dos rendimentos do recorrido, já que o casal teria
retomado a convivência conjugal, mesmo que morando em casas
separadas. Analisando a questão, contudo, a Turma julgadora assim
considerou:
'"Com efeito, o autor e a ré estão separados judicialmente, tendo
ela perdido, por sentença judicial, o direito a pleitear alimentos
do varão, em decorrência de grave violação aos deveres do casamento
consistente no adultério, sendo que a sentença determinou-lhe,
inclusive, a perda do direito ao nome do marido. Essa sentença
transitou em julgado em 1998.
'Constitui fato incontroverso nos autos que, com a separação
judicial, a virago passou a residir na casa dos fundos, permanecendo
ele, juntamente com os filhos, a morar na casa da frente, tendo cada
uma entrada independente.
'Embora a virago alegue ter havido reconciliação do casal e que
tenham retomado a vida amorosa, inexiste prova nesse sentido. Pelo
contrário. O que se vê é que a separação persistiu e cada um
continuou morando na sua própria casa, com vida independente, fato
esse confirmado, inclusive, pelos filhos dos litigantes (fl. 130).
'Caso tivesse havido reconciliação ou união estável, certamente a
mulher teria retornado para a casa da família e não haveria qualquer
razão para os litigantes esconderem essa retomada da vida conjugal.
'Mas isso não aconteceu, ficando claro, inclusive, que o varão
passou a entreter namoro sério e prolongado com outra mulher, como
mostra o farto relato fotográfico e a declaração de fl. 129, sendo
sólido o quadro probatório nesse sentido. Não há, pois, qualquer
adminículo de prova que agasalhe a narrativa da autora, tendo o
varão negado, peremptoriamente, a retomada de qualquer relação
afetiva com ela.
....................................................................
.........................
'Diante do exame da prova coligida, restam duas certezas: primeiro,
que não houve uma união estável; segundo, que o casal está separado
judicialmente, tendo o comando sentencial considerado culpada a
virago e decretada a perda do direito a alimentos, bem como ao uso
do nome do ex-marido.
'Diante disso, constato que inexiste título jurídico a albergar a
concessão de alimentos para a autora.
'É que não há cogitar da concessão de alimentos decorrentes do
casamento, pois tal efeito do casamento foi expressamente afastado
por sentença transitada em julgado e também não se verificou a
existência de uma união estável. Portanto, não existe liame
obrigacional entre o réu e a autora, nada justificando o pleito
alimentar" (fls. 25/26).
Ultrapassar esse entendimento demandaria o reexame de provas, o que
é vedado nesta sede. Incidência da Súmula nº 7/STJ.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo.
Intime-se.
Brasília (DF), 09 de novembro de 2006.
MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
Relator

separação judicial, sexo, vida em comum e culpa parte 3

Após dois anos que João terminara com Maria e saíra de casa, ele constitui advogado e propõe, em face de Maria, ação de divórcio direto com base no §2º do art. 1.580 do CC. O Juiz, todavia, embora soubesse bem o que fosse o CC e conhecesse o conteúdo do dispositivo citado (diferente da Maria que não sabia o que era CPC nem conhecia o conteúdo de seu artigo 1.124A), ao final julga a ação improcedente pois, uma vez que João e Maria mantiveram relações sexuais durante o período de dois anos alegados, tais relações afastariam a figura da separação de fato.
João não consegue entender como uma simples relação sexual pode ser confundida com uma comunhão de vida. Não consegue entender o porquê de estabelecer relações sexuais com Maria antes do casamento sem intuito de constituir família não configuraria união estável ou qualquer outra entidade familiar, enquanto o mesmo ato praticado após abandonar Maria, quando já casados, com intuito de por fim à família que haviam constituído no casamento, com o intuito de pôr fim a uma vida em comum que tornara-se agora insuportável (pois não mais a amava), teria o condão de impossibilitar o divórcio direto por estarem os cônjuges separados de fato a mais de dois anos. As coisas lhe pareciam injustas, lhe pareciam sem sentido. Era como se a sociedade o ordenamento jurídico tivessem uma face hipócrita e repressora. Ele pensa que se reprimisse seus impulsos sexuais teria conseguido facilmente o divórcio. Mas não consegue entender qual bem jurídico estaria sendo violado com sua conduta sexual casual e que precisaria ser protegido, afastando assim a caracterização da separação de fato por mais de dois anos.
PROLÓGO
Maria telefona dois dias depois da publicação da sentença chamando João para sair. Ele diz que não vai. Que pretende dissolver o casamento e que caso saia com ela não resistirá à atração que sente. Diz que não vai recorrer, que perdeu a fé sistema jurídico. Que não sabe se vai pedir separação ou esperar mais dois anos para o pedido de divórcio direto.
Tempo vai e tempo vem mas João permanece sem manter contatos sexuais com Maria. Intrigado com o que considerou uma postura conservadora e um certo impulso à repressão sexual por parte do julgador, João resolve começar a pesquisar mais sobre a sexualidade e sobre como foi tratada em diversas sociedades. Descobre a psicanálise e Freud. Descobre algum tempo depois Freud, torna-se psicanalista. Conhece Wihelm Reich e monta uma clinica de terapia orgonal. Ganha um prêmio Nobel por pesquisa sobre uso do orgônio em naves espaciais. Nesse meio termo divorciou-se de Maria. Escreveu no ano passado um livro com o título “a história completa de Albert Dumbledore”, com autorização da criadora do personagem. O livro vai virar filme e já está em processo de filmagem.
O Brasil tornou-se hepta campeão mundial em 2.026.

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separação judicial, sexo, vida em comum e culpa parte 2

Tempo vai e tempo vem, e o que sabemos é que assim como amou Joana, um belo dia João passou a amar Maria. Quando percebeu aquilo João ficou radiante. Amava aquela que ele mais desejava. Decidiu pedi-la em casamento. Maria se mostrou confusa, atônita, e acabou pedindo um tempo pra pensar. Não se passou, porém, meia hora que João a deixara em casa e Maria pega o carro esbaforida e segue em direção a casa de João, dirigindo de forma razoavelmente imprudente. Não participou de nenhuma colisão de veículos, entretanto, ainda que tenha escapado por pouco de tal destino cerca de três vezes no curto trajeto entre sua casa na Graça e a dele em Ondina.
João abre a porta quase ao mesmo tempo em que abre um sorriso de felicidade por rever a antes desejada e agora também amada, Maria. Maria pula em seus braços derruba-o no chão, começa a beijá-lo e ali mesmo fazem amor (sexo com uma nova roupagem afetiva). Ato consumado Maria olhando para o rosto de João diz: eu Aceito.
Casaram-se.
Foram felizes. Se não para sempre ao menos por longos anos. João sentia-se nas nuvens. Tempo vai e tempo vem e João passa a amar ainda mais Maria. Maria não poderia sentir-se melhor. Bom talvez pudesse, possuía uma certa tendência ao estado de atônita, confusa e assemelhados e, embora igualmente amasse João, seus ciúmes pareciam crescer na mesma medida em que crescia o amor que João lhe devotava. Mais uma vez, se estivesse aqui imbuído do desejo de professar a mais pura verdade, confessaria que tais sentimentos não são de fácil medição, sendo improvável que tal alegada aparência de “mesma medida” pudesse ser definitivamente comprovada ou refutada.
O fato é que, num movimento elíptico, o amor que João devotava a Maria, doce ou salgado fosse, não era pouco mas se acabou. E então, João mais uma vez depara-se com seus princípios, e termina tudo com Maria.
João e Maria haviam comprado uma linda casinha não em Maracangalha mas sim em Vilas do Atlântico. Pertinho do mar que ambos muito apreciavam. Quando João se apercebe que não mais ama Maria ele não se preocupa em saber se deixou de amá-la pelo excessivo ciúme que ela lhe dirigia. Ele não se preocupa em saber se ele foi quem se descuidou da relação. Essas coisas não importam pois ele possui claros princípios éticos sob os quais busca viver. João se preocupa apenas em ter certeza que não mais a ama. Chegando a essa conclusão haveria apenas uma medida a tomar.
João conversa com Maria. Ela chora. Pede perdão. Diz que sabe que tem sido muito ciumenta e injusta com ele. Ele diz que ela não tem do que se desculpar. Não tem qualquer mágoa ou rancor, apenas não a ama mais. Ela diz que vai mudar. Ele diz que seu sentimento já mudou e que sente muito por ter acontecido assim, mas que não tem controle sobre ele. Ela perde o controle. Pergunta quem é ela. Quem é ela? Quem é ela? Acusa-o de infiel. Mentiroso. João sai de casa triste. No carro, indo para o seu velho apartamento em Ondina, não consegue conter o choro. A essa altura, Maria estava quase alagando a casa de tantas lágrimas.

João e Maria vão se falando por telefone. Aos poucos Maria se acalma mais. Diz a João que ele vai se arrepender, que ele vai ver que ninguém o ama tanto quanto ela. Ele diz que isso seria improvável. Certo dia ela acusa-o de tê-la deixado por ela não ter o mesmo corpo da época em que começaram. Ele confessa que seu tesão por ela nunca diminuíra. Não havia seis meses que João havia deixado a casa de Maria e eles marcam um novo encontro. No solar do unhão. Rapidamente perceberam que não havia nada de tão especial naquele lugar mas sim que o especial estava na aproximação de seus corpos. Resolvem não repetir o mesmo motel da primeira vez.
João conversa com Maria. Diz que não a ama e que não pretende voltar a constituir uma entidade familiar com ela. A família que eles formavam acabara. Ele não a amava mais e não pretendia mais ter com ela uma comunhão de vida. Ela pergunta se ele se deitava com outras. Ele confessa um outro princípio, tentar seguir o ordenamento jurídico brasileiro dentro do que entenda razoável. E considerava razoável a obrigação de fidelidade advinda do casamento. E afirma que irá mantê-la enquanto forem casados. Ela pergunta se ele pretende se separar. Ele sugere que façam uma separação consensual por escritura pública, com base no artigo 1.124 A do CPC. Ela lhe pergunta o que seja o CPC. Ele lhe responde e explica o conteúdo do dispositivo mencionado. Ela diz que o entende mas que não poderá concordar com o divórcio pois ainda o ama. Não poderá consentir com algo que no coração não consente, estaria mentindo se assim o fizesse, e ela não era dada a mentiras. João diz que entende. Que irá então esperar que completem dois anos de separados de fato e entrará com ação de divórcio direto. Eles ficam calados por algum tempo. Seus olhares se encontram. Param por cerca de trinta segundos com aparência de dia e meio. Fazem sexo (e não amor, uma vez que não havia mais amor recíproco e o verbo está conjugado na terceira pessoa do plural).
João mantém-se sem deitar com outras, apesar de não mais amar Maria, esperando a consumação do prazo legal exigido para que pudesse solicitar o divórcio e voltar a seguir seu princípio de ser monogâmico apenas quando amasse. De fato, era insuportável para João, ter com Maria uma vida em comum sem amá-la. Dessa forma, não tinham assim uma vida em comum. Tinham apenas alguns momentos em comum, esparsos, quando se encontravam para trepar, como quando no início, quando Maria já amava João mas João ainda não amava Maria e faziam apenas sexo casual, sem constituírem entidade familiar, nem mesmo para o ordenamento pátrio vigente, uma vez não estarem presentes os requisitos para que se configurasse uma união estável.

separação judicial, sexo, vida em comum e culpa parte 1

João e Maria sentiam um tesão enorme um pelo outro, sem saber que aquele sentimento era recíproco. João namorava, porém, a irmã de Maria, a Joana. João amava Joana e apesar do enorme tesão que sentia por Maria, que era, registre-se,muito, muito maior do que o tesão que sentia por Joana, nunca tentou uma "aproximação" com o objeto de seus mais fortes sonhos eróticos. João tinha por princípio que uma relação em que existisse o que ele considerava amor deveria ser uma relação monogâmica. Portanto sua relação com Joana deveria ser monogâmica, ao menos segundo os princípios em que acreditava. Registre-se ainda que João seguia seus princípios.

Tempo vai e tempo vem, e assim como ocorre de forma semelhante em muitos outros casos, o amor que João tinha por Joana, embora não fosse pouco, se acabou. Não se acabou porém, o tesão que sentia por Maria. Terminando então seu namoro com Joana, resolve convidar Maria para um pôr do sol no solar do unhão com direito a uma sessão de império dos sonhos do david lynch logo após.

Difícil dizer o que seja mais aprazível, se o pôr do sol em si, ou o solar do unhão em si. Entretanto, como as coisas em si muitas vezes não nos são cognoscíveis, fato é que a combinação dos dois, pôr do sol e solar do unhão apenas acelerou o que já pareceria inevitável a qualquer um que pudesse observar as trocas de olhares que se deram os amigos João e Maria quando se viram naquele fatídico dia. Se eu chegasse aqui a ser sincero diria que em verdade o pôr do sol e o solar até atrapalharam, desconcentrando-os do imenso desejo carnal que os jovens nutriam um pelo outro, atrasando assim a consumação do mesmo. Todavia esse não é meu propósito e mantenho o entendimento de que aquela combinação mágica acelerou o processo que, não tenho como negar, estaria fadado a concluir-se ainda que de modo um pouco mais lento.

João e Maria foram a um motel logo após o pôr do sol e não creio que se afastaram muito do estado onírico representado no filme de david lynch. Após aquele encontro muitos outros se seguiram, não no mesmo motel porém com semelhante intensidade. João deitava-se também com outras, é verdade, pois dentre seus princípios encontrava-se também o de que a monogamia estaria reservada apenas para as relações onde houvesse amor. Para ele, portanto, não apenas sempre que amasse deveria ser monogâmico. Ele só deveria ser monogâmico quando amasse. Por ser um seguidor contumaz de seus próprios princípios, João não se permitia privar-se do direito de deitar com outras ainda que com nenhuma delas sentisse qualquer coisa próxima ao que sentia deitando-se com Maria. Não a amava porém. Já Maria, nutria por ele paixão (ou um desejo sexual quase incontrolável) e também amor. Essa parcial não reciprocidade não gerava muitos conflitos naquela época.