Friday, September 29, 2006

Merkl e a Cabeça de Jano

Merkl e a cabeça de Jano

Adolf Merkl (1890-1970) foi díscipulo do criador da Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen. Em uma análise curta, pode-se afirmar que a teoria pura do Direito traz um corte epistemológico inovador para a Ciência do Direito. A teoria pura desenvolve idéias até hoje muito utilizadas no ensino do Direito, ainda que se costume aduzir que a Teoria Pura seja uma teoria ultrapassada. De fato, existe atualmente uma forte inclinação à contestação de todos os purismos, de todos os discursos neutralistas que vêem a pesquisa abstraída do sujeito pesquisador. O movimento pós-modernista é aqui considerado como um símbolo de contestação da existência de uma racionalidade “neutra” capaz de separar o sujeito do objeto de estudo. Indica-se aqui a leitura da obra de Boaventura de Souza Santos, Crítica da Razão Indolente Vol. 1, como exemplo de libelo do pós modernismo.

Na presente divagação não busca se negar que a teoria pura do direito deva ser posta em confronto com novas formas de se pensar o próprio conhecimento, como é o caso dos modelos pós modernistas, a fim de se buscar, em um confronto dialético, a possibilidade inclusive de reformulação e de superação da teoria pura em alguns ou muitos de seus postulados. Quer-se tão somente valorizar o quanto produzido pela teoria pura, que não pode ser descartada da produção acadêmica por simples modismo, ou por críticas muitas das quais já refutadas pelo próprio Kelsen. Acredita-se aqui, que muito mais se têm a aproveitar no estudo e divulgação da teoria pura, do que em sua menção de caráter puramente histórico, como se nenhum valor científico mais tivesse, no estudo atual dos fenômenos jurídicos.

Voltando a Merkl, este comparava o ato jurídico ao Deus Jano, que possui duas cabeças. Essa comparação de Merkl faz cair por terra um dos mitos muito repetido ao menos por estudantes de Direito (majoritariamente calouros, uma vez que após os primeiros semestres a obra Kelseniana é praticamente abandonada ao ostracismo) que aproximam a Teoria Pura à escola exegética Francesa. Se Kelsen em seu corte epistemológico busca fazer da norma o objeto de estudo da Ciência Jurídica, isto não significa uma visão tecnicista que veja a norma como algo sagrado, intocável, totalmente afastado do interprete. Algo que ilustra bem a doutrina exegética francesa foi a proibição de Napoleão de que se fizessem interpretações do Código Civil francês, pois ao aplicador do Direito caberia apenas aplicar a lei não sendo legítimo interpretá-la pois então estaria usurpando uma função que não lhe pertencia. Ora a teoria pura do direito em muito se distancia de um tal normativismo. A própria teoria pura desenvolve uma separação entre o texto normativo e a proposição jurídica, isto é a leitura que o operador do Direito faz desse texto normativo e o texto normativo em si. A ciência vai operar a partir dessas proposições que servem de instrumento ao operador do Direito para que possa compreender a disposição normativa e relacioná-la cientificamente com outros dispositivos normativos ( o que se dará através de outras proposições). O que importa estabelecer aqui é que desde logo deixa-se claro a importância da subjetividade no operador do Direito para a teoria pura. É que, embora esboçado não sob os mesmos contornos das doutrinas pós modernistas, a teoria pura ao menos nesse aspecto reserva um espaço destacado à subjetividade do operador do direito no que diz respeito a uma atividade eminentemente interpretativa que antecede a possibilidade de aplicação da norma jurídica. Ademais dessa diferenciação inicial, entre o texto normativo e as proposições jurídicas com as quais o operador maneja, no momento de aplicação encontra-se o aplicador com uma margem interpretativa que possibilita, ao concretizar o Direito em face de um fato dado, um número não unitário de decisões juridicamente legítimas. Isto é, o aplicador do Direito não se converte em mero aplicador, mais que isso ele é um real criador do Direito, tendo em vista que as normas que lhe são dirigidas à análise de um determinado fato, deixam uma margem de opções igualmente defensáveis. Tal raciocínio é oposto ao que preceitua a escola exegética que busca negar a possibilidade de uma pluralidade de soluções igualmente viáveis ou juridicamente legítimas para um caso específico, frente a um determinado ordenamento jurídico. Esse duplo aspecto do ato jurídico, de ser em parte vinculado pelas ditas margens interpretativas e em parte livre, ou seja, de ser em parte criação e em parte aplicação do Direito posto e pré existente ao ato jurídico, é que leva Merkl a compará-lo com o Deus de duas faces.

Se por um lado a teoria pura não busca eliminar, ou sequer negar, a subjetividade do operador/aplicador do direito, por outro não parece avançar muito no que diz respeito ao controle social acerca da delimitação das ditas margens interpretativas. E de fato esse não parece ser seu objetivo. Distanciar Ciência Política e outras abordagens da Ciência Jurídica, parecia ser um ponto crucial para Kelsen a fim de poder desvelar a ideologia liberal que buscava embutir no Direito a idéia de Justiça. Separar a norma da idéia de Justiça e assemelhados é crucial para que se possa superar uma ideologia que busca na norma sua fonte de legitimação social. A teoria pura permite a desconstrução de um discurso legalista que tenha na lei o fundamento ético de imposição de condutas a outrem. O conteúdo de eticidade ou de justiça da norma é afastado do estudo jurídico, não por ser de menor importância mas para que não se “esconda” sob o Direito e para que não alimente a ideologia de que é justo por ser Direito. Entende-se aqui que tal postura adotada pela teoria pura foi de fundamental importância à época a fim de contestar o pensamento ideológico que critica. Todavia, o que questiona-se é se nos dias atuais não seria possível reinserir no objeto da Ciência Jurídica uma conteúdo ético ou de justiça. Nesse aspecto, em que medida a teoria Tridimensional do Direito inserindo o fato e o valor como objetos de estudo do Direito pode servir de contribuição para uma reformulação da teoria pura do direito?



Bibliografia: Teoria Pura do Direito: Versão condensada pelo próprio autor. KELSEN, Hans. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
Obs. O livro contém um texto de Robert Walter intitulado “A Teoria Pura do Direito”, no qual se esboça breve análise da teoria pura do Direito, que serviu de estímulo e principal fonte para a produção do presente texto.

primeiro


Crio esse blog como novo repositório de divagações após a "morte" do 1grau que levou juntamente muito de minha pequena produção litero-cultural. A cultura têm de ser comida mas nada impede que possa ser reaproveitada e posta pra fora em versos ou mesmo prosa. Eu sou principalmente um consumidor cultural e não dos melhores. Mas isso não me impede de querer ser um pouco reprodutor também. Não somos seres inertes e meros espectadores do mundo da arte. O espectador de uma obra de arte ressignfica e copleta a obra sempre inacabada a espera do próximo olhar. Nesse sentido todo consumidor é um pouco reprodutor. Não precisamos, não preciso, ser bom. Isso não me impede de escrever, de tentar me expressar em arte.


Fazer arte não deve ser algo de poucos, deveria ser algo de muitos, espero consumir mais arte do que produzir, pois que produzir mais do consumir fique para os gênios. Eu quero apenas poder botar para fora um pouco daquilo que perpassa ao longo dos anos, quero vômitar um pouco daquilo que consumi ao longo dos anos.


Como dizia o mestre de Carlos Castañeda, somo seres de percepção, expressemos então um pouco daquilo que percebamos.

Já que falei em Castañeda resolvi fazer um teste aqui e publiquei uma imagem pela primeira vez. No blog de meu personagem de rpg eu nunca tinha testado isso antes. ( felipemalk.blogspot.com )
Salvador,

30/09/2006


Nilo Santana